domingo, 13 de dezembro de 2020

La Source

Churrasco de família. Meu amigo Gérson me convidou. Não conhecia ninguém exceto ele e a esposa. Casa da tia dele, dificuldade de me enturmar. Aqui, no meu canto, beliscando o prato de picanha e de vez em quando cumprimentando timidamente alguém e me apresentando. Os nomes, não consigo guardar na memória. Conversa animada nas rodas.

– Lindeza essa foto, hein seu Alfredo?
– Essa Lotus preta era lindíssima. Melhor foto que o Tato já fez.

Ele disse Lotus? Lotus preta? Eu tenho que ver isso.

Um senhor, provavelmente na casa dos 70, baixinho, barrigudo, camisa do Inter. A foto na mão dele é inconfundível mesmo a alguma distância. A Lotus preta e dourada do Ayrton Senna. Essa pintura nunca mais vai ser vista na F1, já que é propaganda de cigarro. Reconheço o cenário.

– Belezura de foto. Contornando a La Source, na Bélgica. Correto?
– Tu saca de F1, hein? Amigo do Gérson, é isso? ...Felipe?
– Isso, Felipe. Seu Alfredo, não é isso? Isso não é reprodução não, né? É original.
– Originalíssima! Foi meu filho Tato que tirou. Em 1985. Lá em Spa.

Aí, meu camarada, foi aí que eu comecei a foder tudo.

– Essa foto não é de 85 não, é de 86. Reconheço por conta do aerofólio dianteiro.

Se eu tivesse alguma noção, teria percebido que todo mundo parou de repente de falar, de se mexer e até de comer. Mas não, o idiota aqui continuou falando, achando que estava abafando com meus conhecimentos wikipédicos de Fórmula Um.

– No carro de 85, as asas dianteiras afinavam do bico pras pontas. No de 86, era paralelo, as aletas eram retangulares. Nesta foto aqui você pode ver que as asas são retangulares. E em 85 a Lotus também não tinha esse patrocínio da De Longhi. Procura no Google por "senna lotus 1985" e "senna lotus 1986" e compara as imagens, vocês vão ver.

Finalmente percebo que algo está errado. Não faço ideia do que. Algo me diz pra sair de fininho. O Gérson e a Sandra ainda estão em outra roda, numa conversa na qual eu definitivamente não faço parte.

– Ele deve ter errado o ano. Ah, vou ali pegar um pãozinho de alho que acabou de sair. Aliás, parabéns ao churrasqueiro. Alguém quer que eu traga?

Um ou outro balançou a cabeça levemente para os lados e grunhiu um "não, obrigado". Alguns olhavam pro celular com uma expressão agoniada. Voltei pro meu canto. Comi um pedaço de pão burocraticamente. Será que meu zíper está aberto? Não, não está. Meleca no nariz? Não, também não. Que raios?

Daqui a pouco, seu Alfredo se aproxima.

– Meu filho Tato morreu num acidente de carro na Inglaterra em outubro de 1985. Um motorista bêbado pegou ele de lado. Tinha 23 anos. Era pra ser o segundo trabalho dele de fotógrafo de F1. Tava todo orgulhoso. As fotos da primeira corrida, a de Spa, ninguém encontrou, acreditam que alguém roubou a sacola com a câmera e os filmes. Uns cinco anos depois, um colega dele lá do jornal me diz que os filmes foram encontrados e me manda esta foto.

Ele ainda segurava a foto, olhava para ela com uma expressão dolorida.

– É a única coisa feita por ele que eu tenho.

Mas não foi isso que me estraçalhou de vez. Foi quando ele olhou pra mim e disse:

– Eu sei que você não fez por mal, filho.

Não esperei o Gérson. Peguei um carro de aplicativo. O motorista perguntou se eu estava bem, e depois perguntou de novo se eu tinha certeza. Dei nota 4.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

O Penúltimo "Arriba México"

A última vitória de um mexicano na F1 antes de Checo Pérez teve alguns marcos e curiosidades interessantes.


GP da Bélgica de 1970. Pedro Rodríguez, guiando para a extinta equipe inglesa BRM, venceu. Mas não era o Spa que vocês estão acostumados a ver. Não senhor.

Esta foi a última corrida no traçado antigo, Spa só voltaria ao calendário em 1983 já na configuração atual. O Spa antigo era um circuito de estrada monstro de 14 km (!!!), quase tudo reta, insanamente perigoso. Só não era mais longo que Nurburgring. O tempo da pole foi de 3 minutos e 28 segundos, a uma velocidade média (eu disse média) de 244 km/h, alta até para os padrões atuais. De certa maneira, era um anti-Sakhir.

E antes que vocês se perguntem: não, Rodríguez não foi campeão em 1969. Na época os organizadores de cada corrida numeravam os carros do jeito que lhe desse na telha. Já havia a tradição do campeão do ano anterior usar o número 1, mas ela não era respeitada 100% das vezes. Talvez a BRM tenha aparecido primeiro no balcão pra preencher a ficha de inscrição, sei lá. A FIA só foi organizar esse bundalelê específico em 1973.

Atrás dele, Chris Amon, guiando March (mesmo carro do pole Jackie Stewart), chegou em segundo bem perto de Rodríguez. Amon é uma história à parte. A especialidade dele era bater na trave. Digamos que, em Sakhir, George Russell teve um momento Chris Amon clássico e vamos parar por aqui.